19 de ago. de 2017



ROBERTO VIEIRA
Era uma noite muito estranha no Brasil de antão. Simonsen explicava que o mercado financeiro podia dormir em paz. Geisel reconhecia o governo português da Revolução dos Cravos – o Brasil foi o primeiro governo no mundo a reconhecer as flores. Chico Buarque tomava todas com alecrim. A Igreja abençoava os capitães lusos e a esquerda sem chumbo. Quatro mil abnegados estavam nas arquibancadas do Brindo de Ouro da Princesa para assistir os meninos do Guarani contra os pentacampeões do Santa Cruz pela primeira vez em Campinas.
O Guarani trazia Tobias no gol – futuro Sport e Corinthians. O soberbo e jovem Amaral estava na zaga. Flamarion de volante. O driblador Lola na meia. Volnei no comando do ataque. O técnico Zé Duarte suando frio no cargo.
O Santa Cruz era um esquadrão. Detinho no arco com Gena na lateral. Levi Culpi de zagueiro com Lula Pereira. Pedrinho fechando a esquerda. No meio? Givanildo e Luciano Veloso. O menino Zé Carlos com Fernando Santana na missão de fazer gols.
Tudo ia correndo para o zero a zero apesar do corre corre. Apesar da noite de frio.
Até que o Santa Cruz sacou Fernando Santana e colocou Paulo Ricardo de líbero. Satisfeito com o placar.
Deu tudo errado.
Fim de jogo, 28 minutos, a defesa tricolor para pedindo impedimento. O juiz José Marçal Filho manda o jogo correr. O ponta Afrânio recebe e cruza para Mingo balançar as redes de Detinho.
Guarani 1x0.
Presos políticos são libertados nas prisões de Caxias e Piniche.
Enquanto a torcida do Guarani cantava animada nos bares de Campinas, uma notícia passa de boca em boca.
A senha para a Revolução dos Cravos veio pelas ondas do rádio em Lisboa. Um disc jóquei que animava as noites lisboetas na rádio católica Renascença botara pra tocar uma música de José Afonso, uma balada contra a Guarda Nacional escrita em 1967. Uma certa ‘Girândola, Vila Morena’.
Era a senha para a revolta em Santarém.
Era o fim do regime salazarista.
Os sonhadores democratas no Brasil pensaram que talvez chegasse a hora de fazer a festa, pá!
Mas havia léguas a nos separar... e o Brasil treinava para enfrentar a Grécia do coronéis.


0 comentários:

Postar um comentário

Comentários