1 de set. de 2016



  Por ROBERTO VIEIRA

Nas eleições para a Câmara de Vereadores de São Paulo em 1959, o rinoceronte Cacareco foi o mais votado. Foi com o apelido de Cacareco que a seleção pernambucana de futebol, representando o Brasil na Copa América de 1959, enfrentou o Equador pela primeira vez na casa do adversário...

O Brasil era Campeão do Mundo. Menos de um ano depois, a Confederação Sul Americana de Futebol organiza a Copa América na Argentina. Os anfitriões são campeões ao empatarem em 1x1 com o Brasil. O placar de 2 x 2 dos brasileiros contra o Peru na  rodada inicial deixara o Brasil na obrigação de vencer o último jogo do torneio contra os donos da casa. O vice-campeonato não seria nenhuma desonra, exceto por um detalhe sórdido. Diante de oitenta e cinco mil torcedores no Monumental de Nuñes, o árbitro chileno Carlos Robles encerrou o espetáculo quando Garrincha marcava o segundo gol do Brasil. Não adiantaram protestos e briga. A Argentina é campeã continental em cima do Brasil com Pelé, Garrincha e outros seis campeões mundiais na Suécia.
Sabe-se lá por que cargas d’água, a Confederação Sul Americana decide marcar outra Copa América em dezembro de 1959, desta vez no Equador. Cinco seleções se apresentam para a disputa: Argentina, Brasil, Equador, Paraguai e Uruguai. João Havelange recebe a notícia com preocupação. Era mais uma arapuca para os brasileiros, mas ele não queria se recusar a participar do torneio. Pensa pra cá, política pra lá, Havelange se lembra da seleção gaúcha vencendo o Pan-americano de 1956. Era uma alternativa. Havia também o exemplo de 1957, quando a Bahia representou o Brasil em dois jogos contra o Chile pela Taça Bernardo O’Higgins – desta vez sem êxito.
João Havelange lembra do amigo Rubem Moreira, presidente da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), grande responsável pela sua vitória na eleição para presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Diante da chiadeira dos mineiros e apupos do eixo Rio-São Paulo, a seleção pernambucana é escolhida para representar o Brasil na Copa América.
Rubem Moreira entrega a seleção ao pernambucano Gentil Cardoso, técnico de renome nacional, então no comando do Santa Cruz. A primeira convocação é carnavalesca, nela se encontram três atletas do frágil Íbis: o goleiro Jagunço e os atacantes Vantu e Inaldo. Manoelzinho do extinto ASAS, além de Joca e Neto do Ferroviário também entram na lista. Tudo para agradar patrícios e plebeus.
Para entrosar o grupo de jogadores, a FPF marca três amistosos. Infelizmente, o primeiro foi contra o Ceará no estádio Getúlio Vargas, em Fortaleza, mais parecendo a ante-sala do inferno. Imbuídos de toda rivalidade regional, os cearenses vencem por 3 x 2 aos vizinhos que queriam dar uma de bacana no Equador. Foi a primeira vitória do Ceará contra Pernambuco, deixando cicatrizes no selecionado de Gentil Cardoso. Nem mesmo as vitórias de 5 x 0 sobre Alagoas e Sergipe nos amistosos seguintes apagaram as críticas da imprensa.
Segundo o cronista e historiador Givanildo Alves, a Ceará Rádio Clube chamou o escrete de ‘cacareco’ pela primeira vez. O mesmo apelido foi utilizado em entrevistas no Diário de Pernambuco e nos comentários do jornalista Aramis Trindade do Diário da Noite. O simpático rinoceronte das eleições paulistanas de 1959 vira sinônimo do pobre futebol apresentado pelo selecionado pernambucano nos amistosos. Diz o ditado, quando não se pode vencer, junte-se a eles. Mal a delegação pernambucana chegou ao Rio de Janeiro com destino ao Equador, João Havelange presenteou Gentil Cardoso com a miniatura de um... rinoceronte. Dá certo. O público adota o termo Cacareco com carinho ao se referir ao selecionado. Mesmo as críticas contundentes perdem sua força ante a lembrança do paquiderme.
No dia 30 de novembro de 1959, a delegação embarca na Panair, mas a aeronave retorna de Congonhas devido a vazamento de óleo em um dos motores. Após o susto, a viagem é retomada no dia 1º de dezembro fazendo conexão em Lima. A equipe faz sucesso na capital peruana - o ponteiro do Sport, Traçaia, dá show no violão formando quarteto vocal com o atacante Zé de Melo e duas aeromoças. Dali, eles tomam avião da Pan American Grace Airways (PANAGRA) até o aeroporto de Guayaquil, onde são recepcionados com festa.
No dia 5 de dezembro, Estádio Modelo de Guayaquil lotado, o rinoceronte Cacareco desfila orgulhoso nos braços do massagista João de Maria. Atrás dele vem a delegação brasileira, o dirigente Rubem Moreira, o médico Laudenor Pereira e o técnico Gentil Cardoso. Uma constelação de craques participa da cerimônia. O jovem atacante equatoriano Alberto Spencer surge para o mundo, Sanfilipo comanda a Argentina, José Del Rosario Parodi defende o Paraguai, mas terríveis mesmo se provariam os uruguaios Bergara Sasía e Escalada dispostos a provar que a Celeste ainda estava viva após a humilhante desclassificação para a Copa de 1958.
O Brasil vence na abertura do torneio. O jogo contra o Paraguai é duro – e os guaranis tiveram chances claras de nos derrotar – mas a jogada iniciada por Clóvis aos 22 minutos encontra Elias na ponta esquerda. Um toque de cabeça surpreende a marcação de Luiz Gonzaga Torres. O atacante Paulo Pisaneschi aparece como um raio e balança as redes de Samuel Aguillar. A rapidez da jogada não surpreende os pernambucanos: Clóvis, Elias e Paulo atuavam por música no Clube Náutico Capibaribe.
O Paraguai tenta reagir, mas dez minutos depois novamente Paulo decreta 2 x 0 no placar. O gol foi importantíssimo, pois Parodi diminui no minuto seguinte para desconsolo do arqueiro Waldemar Chiarelli.
Pressão na segunda etapa. A multidão acha que vai dar Paraguai... e Paulo sacode as redes adversárias pela terceira vez aos 15 minutos. Parodi ainda diminui no final da partida, porém o Brasil assume a liderança da tabela com o surpreendente Uruguai de Sassia que goleia o Equador por 4 x 0.
O Uruguai é o adversário seguinte e desta vez não adiantam os planos táticos de Gentil Cardoso. Pernambuco resistiu bravamente até a metade do segundo tempo, só que Sassia e Escalada fizeram 0 3 x 0 estampar a melhor qualidade do futebol platino – não fosse o uruguaio Umberto Cabelli o pai do nosso futebol estadual.
Taticamente as duas equipes se organizavam no passado – ambas no WM. Só que o WM uruguaio tinha a firmeza de  Troche e Gonzalez do Nacional na defensiva.
Após essa partida, Gentil Cardoso disse adeus ao WM. Trouxe o pujante Zé Maria Sales do Sport para a equipe, sacando o tricolor Biu. O selecionado assumia o 4 -2– 4 importado dos húngaros e foi com ele que derrotamos os donos da casa por 3 x 1.
Era o primeiro jogo entre equatorianos e brasileiros naquele país. As seleções haviam se encontrado seis vezes até então com seis triunfos da nossa equipe. Se o Equador tinha o jovem Spenser, o Brasil trazia Paulo com três gols, o vice-artilheiro do certame – Sanfilipo liderava com quatro tentos.

TAÇA PRESIDENTE DO EQUADOR

A partida valia taça. O governo equatoriano colocou um troféu em jogo contra o país campeão do mundo. A torcida que já estava animada foi à loucura aos 12 minutos. Cobrança de falta, a defesa para em linha e o atacante argentino naturalizado equatoriano Carlos Raffo não perdoa: 1 x 0.
Pela segunda vez na Copa America, a seleção saía atrás. O time bota a bola pra frente e sai pra guerra. Elias bate falta que desvia na barreira em escanteio. Traçaia deixa o violão de lado e cruza na cabeça de... Paulo: 1 x 1. O atacante alvirrubro empata com Sanfilipo na artilharia.
A torcida urra nas arquibancadas. O Brasil se segura pra dar o bote. Aos 42 minutos, novamente o entrosamento pernambucano resolve a parada. Elias acha Geraldo José que domina com habilidade e manda um foguete para as redes de Alfredo Bonnard Jara – simplesmente o maior goleiro da história do futebol equatoriano, eleito o melhor arqueiro do Sul-americano de 1953, em Lima.
O intervalo chega com 2 x 1. A etapa complementar é dura, embora disputada com lealdade – Traçaia e Paulo saem contundidos. Zé Maria comanda a defesa em tarde histórica com o goleiro Waldemar. Quando as cortinas se fechavam e o Equador era todo ataque, Zé de melo dispara e marca o terceiro gol do nosso selecionado.
A Taça Presidente do Equador vai pra CBD, A cacareco derrotou os donos da casa. Pernambuco faz a festa em Guayaquil.
Curiosamente, no dia seguinte em Recife, a cama de gato era feita com Gentil Cardoso e o técnico Ricardo Magalhães era anunciado para treinar o Santa Cruz.
O Brasil era vice-líder e sonhava em ganhar essa posição definitivamente da Argentina no último jogo do torneio. Mas os argentinos estavam mordidos – derrotados pelos uruguaios não tinham mais chance de levar o título. Pra complicar, aos dois minutos Garcia aparece livre e vence Waldemar: 1 x 0.
O selecionado se recupera, equilibra a peleja, Zé de melo perde uma chance; Sanfilipo e Garcia são detidos por Waldemar. Jogo difícil, até que Edson dos Santos ,o Geroldo do Sport, falha e Sanfilipo entra pra marcar 2 x 0.
O marcador final é enganoso deste jogo. Os pernambucanos diminuíram após cobrança de falta de Geroldo aproveitada por Geraldo. Goiano teve a chance de empatar ao ficar cara a cara com Jorge Osvaldo Negri, guarda valas do Racing Club. Foi a oportunidade de mudar a história. No apagar das luzes, aos 44 e 45 minutos de jogo, Sanfilipo marca duas vezes e estampa o inapelável 4 x 1 na memória da Copa América.
Antes da viagem de volta, o selecionado atuou em amistoso novamente contra o Equador. Mais uma vitória pernambucana por 2 x 1. Tentos de Traçaia e Zé de Melo. Dois outros amistosos no Peru contra equipes de Piúra e Arequipa ( 4 x 2 e 3 x 1) e o voo da Panair resgata os heróis de Guayaquil.
Na chegada ao Recife, nem parentes nem torcedores nos Guararapes. Ninguém sabia a data exata da chegada dos atletas. O que era sonho virou realidade dois meses depois.
A Cacareco deu show no Brasileiro de Seleções e só foi parada pelo forte selecionado paulista de Pelé nas finais.
O time base da seleção tinha seis jogadores alvirrubros: Waldemar, Zequinha, Gilvaldo, Paulo, Geraldo José e Elias Soares.
Três rubro negros: Geroldo, Zé Maria e Traçaia.
Dois tricolores: Clóvis e Zé de Melo.

Uma equipe que deu o pontapé inicial nos excepcionais anos 60 do nosso futebol...


3 comentários:

  1. Antonio (que nem falou das Olimpíadas...)1 de setembro de 2016 às 18:56

    olá querido poeta,

    volto, após 1 mês, e eis que temos:

    - um novo presidente... (novo mesmo... só a 1ª dama)

    - uma ex-presidente que vai tomar o chá da tarde com o Lula, enquanto jogam uma tranca... (tá bom... talvez não seja chá)

    - um presidente do STF, de São Bernardo do Campo, que nunca leu a Constituição... (ah, talvez ele vá fazer parte da turminha da tranca, junto com o seu velho amigo...)

    - agora... o importante... após esse mês... os nossos times...

    os nossos times... os nossos queridos times, o Náutico e o Santos... continuam na mesma...

    na hora H... ai, ai, ai... quanta decepção...

    é... é... é melhor voltarmos pra política...

    - será que vai dar tempo do Renan juntar-se à turminha da tranca?

    - ou será que o Sérgio Moro irá solicitar que o ex-presidente mude de endereço?

    aguardemos... aguardemos...


    1 abraço a todos.

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  2. Antonio (hehehe... em tupi-guarani: hehehe)1 de setembro de 2016 às 22:15

    querido poeta,

    Pindorama?... não, não passei nessa cidade paulista...

    hehehe...

    1 grande abraço.

    Antonio.

    P.S. aproveitando o espaço...
    um amigo, mui amigo, acaba de me falar:
    "tás vendo... com a presidenta a gente perdia de 7 X 1...
    bastou um impeachment, uma troquinha, e a gente já mete 3 nos adversários"

    como sou democrático e educado... respondi: "é verdade, tens razão"

    Pindorama.... hehehe

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Comentários