1 de mar. de 2017





Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA, MDM          




O campeonato podia ter terminado naquele domingo, o segundo do mês de dezembro. Disputado em dois turnos e com pontos corridos, apresentava na reta final o Sport na liderança isolada da tabela com 19 pontos. O Náutico vinha logo atrás, com 18. O calendário dos jogos, caprichosamente elaborado, marcava para aquele domingo, 16 de dezembro, Náutico x Sport no campo da Avenida Malaquias. Alvirrubros e rubro-negros faziam assim seu último jogo no certame, despediam-se do campeonato. Em caso de vitória, o time rubro-negro chegaria a 21 pontos e não tinha mais como ser alcançado. O Santa Cruz, também concorrendo ao título, tinha parado nos 20, mas ainda lhe restava um jogo, contra o América. A situação mais difícil era mesmo a do Náutico: somando dezoito pontos, podendo chegar somente a vinte, não dependia apenas de si para chegar ao título.
 
Mas, vejam o que é futebol! O Náutico venceu o Sport, e o Santa Cruz perdeu seu jogo para o América, realizado no domingo seguinte. Conclusão: o Sport fora da disputa do título; Náutico e Santa Cruz, ambos com 20 pontos, igualados na ponta da tabela.

Alvirrubros e tricolores tinham que jogar um extra, previa o regulamento.  Mas a extra não foi jogada, ao menos de imediato. Não foi jogada naquele ano, ficaria para depois.  É que o Sport,no dia seguinte ao clássico, entrou com um protesto junto à federação. Motivo do protesto: o jogo não tinha chegado ao fim!

E o jogo tinha sido mesmo uma bagunça.  O Sport tinha lá suas razões. Faltava ainda serem disputados cinco minutos quando o jogo fora suspenso por absoluta falta de condições de prosseguir. A noite tinha caído sobre a cidade, ninguém enxergava mais nada poucos metros à frente no meio da balbúrdia que tomara conta do campo da Avenida Malaquias.

O campo, de propriedade do Sport, não dispunha de iluminação elétrica, os jogos tinham que começar cedo da tarde, logo depois das três, para acabar antes do sol se por. E foi o que aconteceu naquela tarde. Começou na hora marcada: 15 horas e 15 minutos. Mas tamanha foi a confusão, o jogo foi se arrastando, o cronometista anotando as paralisações, deu cinco e meia, o escuro tomou conta do gramado, que o melhor mesmo foi deixar para depois... Os juízes no tribunal que encontrassem uma solução.  

A pancadaria havia comido solta no correr da partida. O Náutico fez 2x1, mas houve pouco futebol. Uma arbitragem totalmente perdida, e mais um jogo do certame de 1934 ficaria inacabado. Não era coisa rara naquele tempo.

Chegou a ser divertido. O árbitro da partida, o senhor Rômulo de Souza, bem que tentou levar a peleja adiante, mas não conseguiu. Os jogadores do Sport reclamavam de tudo. Estavam em desvantagem no placar e não viam a hora de o jogo acabar. Chegou a um ponto de o senhor Rômulo de Souza, e era ele um dos bons árbitros da cidade, sentir que não tinha mais condições de prosseguir apitando. Depois de muito bate boca de jogadores e dirigentes, Náutico e Sport aceitaram continuar a partida com outro juiz. O senhor Rômulo de Souza se viu obrigado a entregar o apito ao senhor Eduardo Antunes, um desportista respeitado e disponível na ocasião para uma emergência como aquela. Era a derradeira tentativa de dar um jeito à bagunça. Mas o senhor Antunes também não foi levado em conta. Foi tão abertamente desobedecido e desrespeitado, que teve de assistir, impotente, aos jogadores do Náutico abandonarem o campo, carregando consigo a única bola do jogo... Um absurdo! A tarde caiu, ficou escuro de vez, ninguém mais enxergava a bola de couro amarelo. Nada mais restava ao árbitro fazer ali. Futebol já não era mais possível naquele dia. O jeito era todo mundo – jogadores, autoridades, torcedores – voltarem para suas casas. E faltavam apenas pouco mais de cinco minutos para o encerramento da partida!

Esse jogo gerou uma crise daquelas. Teve que ser disputado de novo, inteirinho. Algumas poucas partidas, envolvendo os times que lutavam pelo título, tiveram que ser completadas com pequeninos pedaços de jogo com bola rolando, dois, três, cinco, dez  minutos, que era para não melar o campeonato. Os pedacinhos de jogos marcados para uma mesma tarde, tudo dentro da maior lisura. Mas Náutixo x Sport teve que ser jogado outra vez, inteirinho nos seus 90 minutos. Foi o que decidiu o Tribunal.

Passaram-se mais de três meses para que tudo fosse devidamente resolvido. Aquele Náutico 2x1 Sport ficou sem valer nada. Pior para o Sport. No dia 31 de março de 1935, novamente na Avenida Malaquias, frente a frente, Náutico e Sport foram para a primeira decisão de 1934. Resultado: Náutico 8x1! A maior goleada com vitória timbu na crônica apaixonante do Clássico dos Clássicos. Mas isso é outra história.

Nos poucos momentos em que foi possível jogar futebol no dia do 2x1, o Náutico, um time reconhecidamente superior ao rival, tomou conta do jogo e fez o placar que precisava. Antes dos primeiros quinze minutos, já vencia por 2x0. Dois gols de Fernando Carvalheira, artilheiro do campeonato. O primeiro aos 5’, o segundo aos 12’. O Sport só fez o seu gol no segundo tempo, aos 8’, por intermédio de Julinho. Mas o Náutico tinha no momento o jogo totalmente sob seu domínio. Era melhor time. Basta lembrar sua linha de ataque: Zezé, Arthur, Fernando, Estácio e João Manuel. Uma linha que todo menino do Recife tinha na ponta dos lábios, sabia recitar de cor.





Um comentário:

  1. Sensacional. Muito bem escrito. Fica nítido o amadorismo de então e a comprovação de que as armações do Sport são congênitas.

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Comentários