23 de mar. de 2016



Por ROBERTO VIEIRA

Altas horas no bar da esquina. Panfletos amassados e jogados pelo chão. Litros de chopes depois do fim da manifestação. Dois inimigos se encontram sentados na mesma mesa, no mesmo porre, na mesma sensação de fim de sonho. Como se os Beatles houvessem se separado novamente. Como se Tancredo estivesse moribundo novamente. Como se o cadáver de Frei Caneca agonizasse na contramão. A solidão da rua iluminada pela luz do barzinho permitia a intimidade inesperada.
- Companheiro, onde foi que nós erramos?
- Não sei, Coxinha!
- Onde está a porra do país que nós sonhamos?
- Não sei, Coxinha!
- Preferia mil vezes estar sendo exilado por tua turma agora...
- E eu queria estar nas masmorras da tua laia.
Beberam mais um pouco.
Eles haviam sido traídos covardemente. Traídos em cada sonho, em cada palavra, em cada gesto, em cada centavo de suas almas políticas e juvenis. Os seus ídolos eram mercenários de si próprios. As utopias eram promessas cuspidas ao vento. Hipocrisia, roubo, assassinato, corrupção, listas, propinas. O coração de estudante transformado em calvário.
Subitamente, as multidões de jovens se viram atirados no vazio do fim das ideologias. Não havia o Deus dos palanques, não havia os heróis da resistência. A bebida descendo na garganta seca da total desilusão tornava o mundo um carrossel de caminhandos e sabiás, trezentos picaretas e que país é este.
- Companheiro, onde foi que nós erramos?
- Não sei, Coxinha!
- Ele dizia que tudo era mentira!
- Já os nossos diziam que era tudo verdade!
Lá fora estava a madrugada fria e torpe. Lá fora estava o país amado e adorado desde a infância. Lá fora estava a terra que queriam ver garrida. O gigante pela própria natureza estava nu.
Abraçaram-se. O vermelho e o verde. O companheiro e o coxinha. Num instante perceberam que eram irmãos de armas e de fé. No abraço, descobriram que ambos eram apenas e tão somente brasileiros. Até aquele instante, marionetes nas mãos de quem sonhava com jantares em Paris e charutos de Havana, fingindo curtir a Rocinha.
- Até que você é um bom sujeito, Companheiro!
- Me passa teu celular, Coxinha!

E o dia nasceu feliz...


Um comentário:

  1. Antonio (um pai orgulhoso de uma querida Maria...)24 de março de 2016 às 01:30

    Querido amigo Roberto,

    gosto de escrever, de opinar... não sou de ficar em cima do muro...

    mas, às vezes, nem preciso...

    estou preguiçoso, então vou colar a seguir (acho que ela vai me permitir)... o que minha filhota escreveu no seu facebook no último sábado.

    1 grande abraço.

    "Eu pago um preço alto por ter imigrado, mas nestas horas de pura fumaça agradeço à objetividade canadense. Uma nação tb colonizada, mas em que conservadores e liberais não disputam o fato de que todos somos iguais, de que roubar é errado sim, de que austeridade fiscal é importante e que progresso significa o bem de todos. Talvez essa objetividade deva-se ao fato de que, até há duas gerações, se neguinho não cortasse lenha a tempo, todo mundo morreria congelado.
    Se todos queremos o bem do país, pense-se como brasileiro, e só, que já é mais que o bastante. Enquanto você fica olhando prá esquerda e prá direita, ou pior, prá trás, ninguém vai prá frente. #ficaadica"

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