21 de fev. de 2016





O Santa Cruz amargava o vice-campeonato de 1915. A derrota diante do Flamengo remoía os olhares do arqueiro Ilo Just. A equipe estava bastante remodelada, do onze que perdera a final contra o Flamengo restavam Manoel Pedro, Pitota e Dória. Mas o grupo era forte e perdera apenas quando podia perder no campeonato. A final contra o Sport era a chance de conquistar a glória perdida um ano antes no British Club.

O problema era que o Sport estava impossível. Depois de levar a goleada do Náutico por 4 a 1, os rubro negros fizeram das tripas leão e foram vencendo todo mundo que encontraram pelo caminho - inclusive aplicando um  8 a 0 no rival alvirrubro. Pra completar, o Sport trouxera o zagueiro Paulino, campeão carioca pelo América-RJ para reforçar a sua equipe. Diante da atitude do Sport, o Santa Cruz vociferava contra tudo e contra todos. As opiniões estavam divididas. O Jornal Pequeno detonava o Sport. O diário 'A Província' dizia que o Sport estava jogando com as armas de que dispunha.

A escolha do juiz da finalíssima foi tensa. Nome após nome foi recusado pelos tricolores. Bittencourt? Não! Foster? Nem pensar! Rômulo de Souza? Apitou a goleada do Sport sobre o Náutico. Finalmente chegou-se ao nome de R.Bold, o qual apitara apenas uma peleja do certame, a goleada de 6 a 1 do Flamengo sobre o CS Peres.

Eram tempos de discussões acaloradas sobre o football. Do alto de seu cargo de lente da Escola Superior de Guerra, o Sr. Liberato Bittencourt defenestrava o esporte bretão. O tal desporto seria a perdição das massas brasileiras: "Se o futebol se desenvolver... seremos em poucos annos uma massa de jogadores consumados e pervertidos". Como prova das suas palavras na Revista Pedagógica, o ilustre professor afirmava que o futebol era violentíssimo, impróprio para nosso clima, atacava de frente a cultura intelectual da mocidade e feria de morte a cultura moral do nosso povo. Sob um aspecto o professor tinha razão: o futebol iria dominar nosso país.

Sob um clima quente que antevia o futuro Clássico das Multidões, tricolores e rubro negros adentraram o gramado do British Club naquele 24 de dezembro de 1916. Véspera de Natal. Os fronts europeus sob chuva e trincheiras. Nuvem pesada e beligerante sobre a humanidade. Naquela noite, o pequeno milagre da trégua de Natal durante a guerra dos anos de 1914 e 1915 não aconteceu. Os comandantes militares ameaçaram executar quem desobedecesse as ordens para confraternizar com o inimigo.

O Sport alinhava Luiz Cavalcanti; Briant e Paulino; Town, Robinson e Smethurst; Asdrúbal, Motta, Anagan, Smith e Vasconcelos. O Santa Cruz escalava-se com Ilo Just; Mangabeira e Reis; Valença, Theóphilo e Manoel Pedro; Silva, Pitota, Zé Tasso, Alberto e Dória. O Santa Cruz ganha o toss. Primeiro ataque. O Sport é favorito mas é surpreendido por um tento de cabeça, especialidade de Pitota, primeiro grande cabeceador do nosso futebol. O gol é marcado depois de escanteio cedido por Briant e brilhantemente batido por Dória. A coisa esquenta e o pau come. As duas defesas batem até na sombra e o referee R. Bold fica meio que perdido em campo. O Santa sustenta a vantagem, lembra de 1915, voltar pra casa de mãos abanando não faz parte dos seus planos. Porém, a qualidade da equipe rubro negra é superior. Vasconcelos e Mota passam como querem por Reis e estufam as redes de Ilo Just. O primeiro tempo termina com o placar registrando Sport 2 a 1.

O intervalo chega ao seu final e inicia-se o bombardeio tricolor. Durante dez minutos a área de Cavalcanti vira cenário de guerra. É aí que surge a classe e categoria de Paulino. Dono de um futebol incomparável na província, Paulino começa a mandar no jogo, desarmando Zé Tasso, orientando a equipe, lançando o ataque nas costas do meio campo do Santa Cruz. O investimento feito no zagueiro se justifica conforme a pelota procura seus pés - a bola sempre procura os craques. Quando a partida parecia caminhar para a vitória apertada dos Leões, Asdrúbal acerta um tirombaço de fora da área e Mota, após driblar toda a defensiva do Santa toca na saída de Ilo Just ampliando o marcador para um insuspeitado 4 a 1.

Just cai de joelhos. Pitota olha para os céus. A final das multidões é rubro negra. O Sport Club do Recife conquista seu primeiro título de campeão pernambucano.

O Santa é vice. E tem de esperar até rir por último contra o Leão...


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