12 de fev. de 2017





Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA, MDM


Transparência e simplicidade: são palavras, são símbolos. Palavras que marcaram os caminhos do jovem Salomão. Transparência tanto no futebol como nas coisas da vida. O futebol, sua grande paixão, jogado com clareza no meio campo. A jogada sempre limpa, fácil de entender, o lance cristalino sem nenhum adorno. Firula zero. Na vida, o sonho bem claro e desde cedo definido como projeto supremo de vida. O sonho de ser médico. Assim era Salomão Alves Couto, nascido a 3 de outubro de 1942 em Pocinho, pequena cidade do Cariri paraibano na região metropolitana de Esperança. Tinha 18 anos de idade quando saiu da casa dos pais com destino a Campina Grande em busca do sonho. Fora dos estudos, o divertimento era o futebol, jogar futebol. O caminho a seguir era procurar uma bola nos campos de pelada.

O que não faltava era campo de pelada nos arredores da cidade de Campina Grande. Foi quando Salomão descobriu um deles, onde jogava o Central, time de bairro (ou não terá sido o contrário? O pessoal do Central campinense que primeiro descobriu Salomão?), depois passando a bater bola com a turma do Everton de São José, também dos subúrbios da Capital da Borborema.  Era o ano de 1960.

Não demorou e Salomão tomava conta do futebol do meio campo nos gramados suburbanos da maior cidade  paraibana do interior. “Tratava a bola com fino trato”, segundo depoimento de Jobedis Magno de Brito Neves, do Museu Virtual do Esporte de Campina Grande. Sempre de cabeça erguida, não errava passe e organizava a sua equipe. “Era o que dava padrão de jogo ao time, sentido ao jogo, aquele que quando a bola passava em seus pés, saia com certeza uma bela jogada.” O jogo só existia a partir do toque mágico de Salomão no meio campo. Além disso, além da habilidade nata com a bola no pé, era preciso nos passes e chutava forte. Sabia fazer gols. Fazia muitos gols. Muitos deles de fora da área.

Não demorou também e o Campinense − dividindo com o Treze o domínio do vasto império do futebol da Borborema − conquistou Salomão para fazer parte do seu elenco. Naquele ano mesmo, contrato assinado e registrado na federação como profissional do rubro-negro paraibano, Salomão conquistou o seu primeiro título: Campeão Paraibano de 1960. Era o médio-volante, dotado de vocações ofensivas, de um time que tinha o goleiro Cazuza, o volante Preta e os atacantes Zezinho e Ibiapino, nomes conhecidos do futebol do nordeste. No Campinense, Salomão foi ainda bicampeão. Bicampeão paraibano de 60-61.

Na época, estava em curso no Náutico, ali bem perto no estado vizinho, o grande projeto do início dos anos 60 que privilegiava o jogador da região tendo como objetivo formar uma equipe forte mesclando jogadores da base com jovens revelações do futebol dos estados vizinho. De Alagoas, foram contratados o goleiro Lula e o zagueiro Gernan; do Ceará, o volante Evandro; na Paraíba foram buscar a dupla Salomão-Rinaldo. Salomão do Campinense; Rinaldo do time rival, o Treze.

Salomão chegou ao Náutico um pouco antes de ter início o Pernambucano de 1962. O comando técnico do time estava entregue ao argentino Alfredo González, também recém-chegado aos Aflitos, com quem Salomão iria se dá muito bem. Sua primeira partida com a camisa do Náutico não demorou. Tudo acontecia de repente com Salomão... Foi em um amistoso antes de começar o campeonato, contra o Paulistano de sua Campina Grande, lá mesmo em terras paraibanas. Vitória fácil do Náutico, 4x0 no placar. Festa para Salomão. Dom Alfredo González ficava conhecendo com quem ia contar para o campeonato. Salomão ia se acostumando com o convívio ao lado de quem ia jogar de agora em diante. Conhecendo o jeito de bater na bola de Gílson Costa, dos irmãos Nado e Bita, de Eric e de Tião. A estréia oficial se deu logo depois, a 27 de maio. No campo do Central, em Caruaru, jogo do turno contra os donos da casa. Vitória alvirrubra por 2x0, dois gols do carioca Gilbert, meia-avançado pela direita, também estreante.

O novo volante do time já era o dono da meia cancha do time do Náutico quando, em agosto, três meses depois de sua estréia, chegava aos Aflitos para jogar ao seu lado ninguém menos que Rinaldo, outro cracaço de bola com quem até há pouco dividia, em clima de rivalidade, a preferência dos torcedores de Campina Grande. Rinaldo era o meia-esquerda do time rival, do Treze. No Náutico formariam uma dupla que marcou época. Seriam campeões juntos em 1963, início da jornada do Hexa. Um ao lado do outro no meio do campo até quando tiveram que se separar, ainda que continuassem no mesmo grupo, em face da chegada de Ivan Brondi, vindo do Palmeiras. Alfredo González foi quem preferiu desse jeito. O novo companheiro de Salomão no setor seria Ivan; Rinaldo era deslocado para a ponta-esquerda.

O nível do futebol de Salomão só fez crescer desde que chegou ao Náutico, rodada após rodada, jogo a jogo. Ao lado de Rinaldo, depois tendo Ivan ao seu lado. Em meados de 1964 tinha chegado ao topo. O Nàutico era líder invicto do Campeonato, 17 partidas sem derrota, nenhum empate sequer. Mais três vitórias pela Taça Brasil, duas contra o Paysandu de Belém e o da partida de ida contra o Ceará, nos Aflitos. O time do Náutico era “Os Intocáveis”. Salomão dividia com Bita, Nado, Ivan, Lula e Lala as honras de estrelas de maior grandeza dentro constelação. Foi quando aconteceram em setembro os fatídicos jogos contra o Ceará no Presidente Vargas, em Fortaleza. Jogos históricos que custaram a perda da invencibilidade timbu, a desclassificação da Taça Brasil e a contusão que quase lhe tira a vida.  O jogo que afastou Salomão por uns tempo dos gramados aconteceu no dia 29 de setembro. O Ceará, que já tinha vencido o primeiro confronto de Fortaleza por 1x0, venceu agora de goleada, 4x0, em jogo tumultuado e dramático. Salomão sofreu a rotura de um dos rins, somente diagnosticada depois do jogo. Vítima de uma hemorragia interna, teve que ser operado, o que só viria acontecer seis dias depois, no Recife. Ficou sem jogar por uns tempos. Voltaria ao time somente em jogos amistosos no ano seguinte.

Em meados do novo ano, no mês de maio, seu passe foi cedido ao Santos. Na Vila Belmiro, iria jogar o lado dos maiores craques brasileiros da atualidade. No Santos de Pelé, Carlos Alberto Torres, Orlando, Mauro, Mengálvio, Toninho, Pepe, Zito, Dorval e Gilmar. Depois de dois anos no Santos, Salomão se transferiu para o Vasco da Gama. No time carioca iria viver uma nova experiência em um outro grande centro, o Rio de Janeiro. Teria a oportunidade de jogar também ao lado de craques renomados, jogadores a nível de seleção, como o goleiro Valdir, Brito, Fontana, Oldair, o uruguaio Danilo Menezes e seu ex-companheiro Nado.

Depois de mais um ano fora do Recife, Salomão resolvei voltar. Falou mais alta seu desejo de terminar o curso de medicina. Em outubro de 67, estava novamente vestindo a camisa do Náutico, jogando em gramados pernambucanos. No primeiro dia do mês, na Ilha do Retiro contra o Santa Cruz, passados quinze dias no Pedro Víctor, em Caruaru, contra o Central, uma semana depois diante do América cearense pela Taça Brasil, nos Aflitos. Estava novamente em casa. Os Aflitos era, desde que deixara o lar paterno no começo da década, a sua segunda casa, agora a sua verdadeira casa.

Salomão jogaria ainda até o fim do ano e do contrato. Mais de uma dezena de jogos, totalizando 17 partidas nesse retorno, jogos pela Taça Brasil e jogos pelo Pernambucano na jornada do Penta. No Náutico, jogaria até o fim do ano e do contrato. Mais de uma dezena de jogos num total de 17 partidas – um amistoso em Garanhuns nessa nova estréia, contra o Sete de Setembro (0x3), intercalando a seguir nove jogos pela Taça Brasil e sete pelo Pernambucano na jornada do Penta. Marcaria três gols todos ele de suma importância, contra o América do Ceará 1x0 nos Aflitos, contra o Atlético Mineiro na Ilha (Náutico 3x0), contra o Cruzeiro, outra vez na Ilha, Náutico 3x0. E de quebra, contribuiria para a conquista invicta do pentacampeonato, o que aconteceu nos Aflitos, no jogo contra o Central, no domingo 10 de dezembro.

Passadas as festa do fim do ano, Salomão anunciou o que todos esperavam: não ia mais jogar futebol profissional. Havia conseguido o que queria: retornar a faculdade através da reabertura da matrícula, trancada dede 1965. Retornou para fazer o 2º ano de medicina, Em 1972, no dia 8 de Dezembro, como era traição naqueles idos, recebia das mãos do reitor Professor José Marcionilo Lins, um alvirrubro de fé, tão apaixonado quanto ele, o diploma de doutor em Medicina em solenidade realizada no auditório da Universidade, no Engenho do Meio.

O jogo de ida contra o Palmeiras na Ilha do Retiro, na disputa do título da Taça Brasil, valendo o título de Campeão Brasileiro e disputado em dezembro, fica como o jogo da despedida de Salomão. Nos Aflitos, tinha jogado sua ultima partida dias antes, no dia da conquista do título estadual, contra o Central. Nada mais emblemático − ser campeão diante de sua torcida na hora de se despedir da casa que o tinha acolhido como um filho quando aqui chegou.


E em que pese não ser de todo desprezível a passagem por dois dos mais destacados clube brasileiros, o Santos de Pelé, e o Vasco dos anos 60, é nos Aflitos onde Salomão viveu seus melhores momentos. Por isso mesmo a torcida timbu nunca lhe negou o aplauso. Nas mais diversas publicações daquele tempo − em jornais, revistas esportivas e livros – ficaram registrados os melhores elogios a Salomão. Dele se disse que “fazia um par-de-deux com a bola”. “Não a chutava até porque não se chuta uma dama”. Do meio do campo do Náutico, “deslizava a bola para os companheiros. Lançamentos suaves como bolhas de sabão...” As palavras entre aspas são do publicitário Norton Ferreira inseridas em “Todos Juntos, Vamos/Memória do Tri”, de Alex Medeiros. E mais disse dele, o conhecido profissional da comunicação: “ Era o nosso Ana Botafogo. E tinha nome de rei”.

Por tudo isso, mesmo não estando entres aqueles que mais vezes vestiram a camisa do Náutico (108 vezes em sua primeira passagem pelo clube, dezessete da segunda vez, totalizando 125 partidas disputadas pelo clube), Salomão integra o time dos sonhos do Náutico de todos os tempos, formado de numa enquete realizada pelo Jornal do Commercio em 2001, por ocasião das comemorações pela passagem do centenário do clube. A enquete contou com a participação de jornalistas, escritores e torcedores ilustres. Foi este o resultado: Lula; Gena, Mauro Calixto, Fraga e Marinho Chagas; Salomão, Ivan e Vasconcelos; Nado, Bita e Lala.

Salomão especializou-se em neurologia. Cinco anos depois de formado, viajou para a Europa com o objetivo de se aprimorar na especialidade. Antes, estivera durante um ano, o de 1976, no Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina. No Velho Mundo, ficou dois anos (1977-78), na França, como médico-estagiário do Hospital Cochin do Boulevard Port Royal, em Paris.

Casado, com dois filhos, Salomão Sales do Couto, 41 anos de médico, dedica-se à neurologia clínica no Recife com consultório instalado na rua conselheiro Portela, vizinho ao estádio dos Aflitos. Estádio querido  onde brilhou por cerca de quatro anos em seu gramado como profissional de futebol. Na outra atividade em que dividiu sua paixão e viveu seu sonho.


4 comentários:

  1. Magnífico - à altura do futebol de Salomão - o texto do Lucídio. Completo, perfeito. Apenas para também homenagear o grande craque alvirrubro e estimado amigo, transcrevo escrito meu destacando aspecto especial do seu jogo. SALOMÃO E ADEMIR: O RUSH FULMINANTE - Ainda que atuando em posições diferentes e em épocas distintas, uma jogada, ou melhor dizendo, um estilo característico aproximava Ademir Menezes, o artilheiro da Copa de 50 e Salomão, o meio-campista hexacampeão pelo Náutico. Trata-se da arrancada apelidada de "rush", conduzindo a bola com passos largos e toques curtos, em alta velocidade, culminando com a finalização em plena corrida, com admirável força e precisão. Rush que se fazia ainda mais impressionante com Salomão, porquanto atuando no meio de campo, não raras vezes iniciava essa sua arrancada fulminante na sua própria área, chegando até a área do time adversário com muitos o perseguindo, mas sem ninguém lograr detê-lo.

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  2. Quemn nos dera que o CT e a base nos proporcionasem exemplos de atleta e cidadão. Parabéns Salomão e obrigado por tudo que nos deu até hoje, honrando o nosso timbu como torcedor. A familía alvirrubra agradece!

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  3. Lula; Gena, Mauro Calixto, Fraga e Marinho Chagas; Salomão, Ivan e Vasconcelos; Nado, Bita e Lala.
    Desta seleção só não vi jogar o Lula e o Nado, os outros nove graças a Deus tive a satisfação de poder velos dar shows nos gramados pernambucanos. Como esquecer de Genival Costa Barros e sua absoluta e enervante calma dentro da área, a bruxa loura Marinho Chagas abusando de jogar e sempre fazendo sombra a Nilton Santos na memória afetiva, Vassconcelos o craque que vive em Santiago e quase vira astro da seleção chilena, "the winchester man" e seus gols em Gilmar dos Santos Neves, graças Deus, sou alvirrubro e me deleitei com o desfile de nossos craques, já hoje...

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Comentários