Por
ROBERTO VIEIRA
O Bairro da Ajuda fica
perto da Mãe D’Água.
Nada de prédios.
Apenas casas pobres e
árvores estremecidas pelo calor.
Assimilados se vestiam
de portugueses.
O apito.
Quando soprava o apito,
os negros podiam chegar pra trabalhar.
O apito.
Quando sopravam o
apito, o moleque Eder se punha a chutar a pelota.
Vó Ricardina se
espantava.
Eder se pôs ao mar.
Onde está Cristiano
Ronaldo pra subir na sobreloja?
A creche lusitana e a
criança que se perde.
A única linguagem que
conhece é esférica.
Vó Ricardina é fogo que
arde sem se ver.
Portugal de Cabos Verdes
e Bissaus.
Áfricas de José Águas,
Eusébio e Coluna.
Portugal de Salazar e
Spínola.
Guardam o velho cravo e
os meninos correndo atrás do sonho.
Verdes são os campos da
cor de limão.
Assim são os olhos do
meu coração.
As tropas francesas
invadem Portugal.
Dom João foge.
Foge como Eder foge da
marcação gaulesa.
Agnello Regalla a se
perguntar:
Que conheço eu de ti,
Mãe África?
Nós conhecemos apenas
os gols.
Cabeçadas de Águas.
Chutes de Eusébio.
Milagres de Eder.
Todo o sofrimento do
povo negro que forjou a glória portuguesa.
Glória feita de sangue
e navios negreiros.
Glória relembrada no
discurso do ídolo Cristiano.
Saudando o Portugal dos
imigrantes.
Portugal que se fez de Benficas,
Portos e Sportings.
Portugal que se fez dos
netos de Vovó Ricardina.
Ó mar salgado, quanto
de teu sal são lágrimas dos escravos de Portugal?
Valeu a pena?
Não valeu a pena, pois
a alma do colonizador era pequena.
Mas quem quer passar
além do Bojador.
Tem de passar além da
dor.
E foi isso que fez o
neto de Vovó Ricardina.
O improvável e negro
herói na noite da Paris de Luís XIV.
Talvez porque uma
verdade resiste ao noventa minutos.
O artilheiro não é
nada.
O artilheiro sozinho
não pode ser nada.
Um artilheiro de Bissau
não pode ser nada.
À parte isso, este menino
carregava nos pés todos os sonhos do mundo...
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