12 de jul. de 2016



Por ROBERTO VIEIRA

O Bairro da Ajuda fica perto da Mãe D’Água.
Nada de prédios.
Apenas casas pobres e árvores estremecidas pelo calor.
Assimilados se vestiam de portugueses.
O apito.
Quando soprava o apito, os negros podiam chegar pra trabalhar.
O apito.
Quando sopravam o apito, o moleque Eder se punha a chutar a pelota.
Vó Ricardina se espantava.
Eder se pôs ao mar.
Onde está Cristiano Ronaldo pra subir na sobreloja?
A creche lusitana e a criança que se perde.
A única linguagem que conhece é esférica.
Vó Ricardina é fogo que arde sem se ver.
Portugal de Cabos Verdes e Bissaus.
Áfricas de José Águas, Eusébio e Coluna.
Portugal de Salazar e Spínola.
Guardam o velho cravo e os meninos correndo atrás do sonho.
Verdes são os campos da cor de limão.
Assim são os olhos do meu coração.
As tropas francesas invadem Portugal.
Dom João foge.
Foge como Eder foge da marcação gaulesa.
Agnello Regalla a se perguntar:
Que conheço eu de ti, Mãe África?
Nós conhecemos apenas os gols.
Cabeçadas de Águas.
Chutes de Eusébio.
Milagres de Eder.
Todo o sofrimento do povo negro que forjou a glória portuguesa.
Glória feita de sangue e navios negreiros.
Glória relembrada no discurso do ídolo Cristiano.
Saudando o Portugal dos imigrantes.
Portugal que se fez de Benficas, Portos e Sportings.
Portugal que se fez dos netos de Vovó Ricardina.
Ó mar salgado, quanto de teu sal são lágrimas dos escravos de Portugal?
Valeu a pena?
Não valeu a pena, pois a alma do colonizador era pequena.
Mas quem quer passar além do Bojador.
Tem de passar além da dor.
E foi isso que fez o neto de Vovó Ricardina.
O improvável e negro herói na noite da Paris de Luís XIV.
Talvez porque uma verdade resiste ao noventa minutos.
O artilheiro não é nada.
O artilheiro sozinho não pode ser nada.
Um artilheiro de Bissau não pode ser nada.
À parte isso, este menino carregava nos pés todos os sonhos do mundo...


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